Educação

Notas sobre as nuances do Princípio da Legalidade, segundo o Professor H. C. Fragoso

Em sua obra Lições de Direito Penal, de 1987, o grande professor Heleno Cláudio Fragoso traça aspectos relevantes sobre hermenêutica, o arbítrio do julgador, história do Direito, lançando possíveis bases para teorias contemporâneas do Direito.

“(…) Finalmente, atinge o princípio da legalidade a incriminação vaga e indeterminada de certos fatos, deixando incerta a esfera da ilicitude e comprometendo, desta forma, a segurança jurídica do cidadão.

É este um aspecto novo do velho princípio, que pode ser formalmente observado, com a existência de uma lei prévia, mas violado na substância, com a indeterminação da conduta delituosa. Como ensina Soler, ‘só a existência de lei prévia não basta; esta lei deve reunir certos caracteres: deve ser concretamente definitória de uma ação, deve traçar uma figura cerrada em si mesma, por força da qual se conheça não somente qual é a conduta compreendida, senão também qual é a não compreendida’.

A incriminação vaga e indeterminada faz com que, em realidade, não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois entrega, em última análise, a identificação do fato punível ao arbítrio do julgador.

A violação do princípio da reserva legal por essa via tem sido comum nos crimes políticos, remontando, como lembra Soler, à definição do crimen maiestatis contida no Digesto: maiestatis crimen illud est, quod adversus populum romanum vel adversus securitatem eius committitur (D. 48. 4. 11). O Código Penal francês, de 1810 (reproduzindo praticamente o 1791), punia, no art. 76, com a pena de morte ‘quiconque aura pratiqué des machinations ou entretenu des intelligences avec les puissances étrangères ou leurs agents, pour les engager à commetre des hostilités ou à entreprendre la guerre contre la France ou pour leur en procurer les moyens, etc.’ A completa indeterminação do conteúdo da conduta delituosa, definida em termos de maquinações ou de entendimentos e o perigo que isso representa, transparecem com nitidez. Outros exemplos vamos encontrar em leis nazistas que incriminavam, ao tempo da guerra, ‘o rompimento da força defensiva do Estado’ ou ‘o comportamento danoso ao povo’. Em Cuba, a Lei 425, de 9 de julho de 1959, que define os delitos contra-revolucionários, apresenta fórmulas ambíguas, como: ‘os que realizarem qualquer outra atividade considerada contra-revolucionária’; ‘os elementos contra-revolucionários de qualquer índole’ ou ‘qualquer ato tendente a favorecer uma rebelião armada contra os poderes do Estado’, etc.

Entre nós, o citado Decreto-lei nº 4.166 incriminava genericamente ‘a ação ou omissão, dolosa ou culposa, de que resultar diminuição do patrimônio de súdito alemão, japonês ou italiano, ou tendente a fraudar os objetivos desta lei’.

O deplorável Decreto nº 2, de 14 de janeiro de 1966, em seu art. 3º, mandava aplicar a pena estabelecida no art. 13 da Lei nº 1.802, a quem fizesse ‘oposição de quaisquer dificuldades ou embaraços à consecução dos objetivos do presente decreto-lei’. A vigente lei de segurança (Lei nº 7.170, de 14.12.83) pune, em seu art. 20, quem ‘praticar atos de terrorismo’, deixando completamente em aberto a definição legal da conduta incriminada e violando, sem dúvida alguma, o princípio da reserva legal.

A Constituição da República Federal da Alemanha, em seu art. 103, expressamente proíbe ao legislador o estabelecimento de ‘leis penais imprecisas, cuja descrição típica seja de tal forma indeterminada, que possa dar lugar a dúvidas intoleráveis sobre o que seja ou não permitido ou proibido’. A Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América Latina, entre os Princípios Fundamentais que fixou, em Santiago do Chile, em 1963, para ‘inspirar e orientar a elaboração das leis penais na América e sua ulterior aplicação’, incluiu o seguinte: ‘as leis penais devem descrever fatos puníveis de maneira precisa e inequívoca, sem deixar dúvidas sobre sua proibição.’

Os elementos normativos do tipo, que enfraquecem, sem dúvida, a função de garantia da lei penal, não atingem o princípio da legalidade. O mesmo se diga com referência à cominação da pena entre amplos limites, e, inclusive, com relativa indeterminação, característica comum nas legislações penais modernas.

No julgamento dos criminosos de guerra pelo tribunal militar de Nuremberg não se observou o princípio da reserva legal, fato que motivou severas críticas, por parte de muitos juristas, que negaram àquela corte o caráter da justiça penal. Outros, no entanto, justificam tais julgamentos, em face das circunstâncias históricas ou negam que o princípio da legalidade prevaleça no Direito Internacional.” (LIÇÕES DE DIREITO PENAL, p. 96-98. ed. 1987)

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