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TEXTO: “DIREITO FUNDAMENTAL À PROBIDADE ADMINISTRATIVA” – Profº Dimas Salustiano

As palavras não são unívocas. O que se nos apresenta pela literalidade de um dado texto como algo óbvio, pode alcançar níveis de complexidade inimagináveis. Assim, sobre uma ideia específica do Direito que entrou na moda atualmente, cabe indagar, o que vem a ser mesmo um ato de improbidade administrativa? A resposta pode parecer simples para os incautos. Talvez decorrente do açodamento e simplicidade de algumas respostas, é que atualmente grassa no país uma ideia de que todos nós somos corruptos até que se prove o contrário e em relação ao Fisco que todos são sonegadores até que se prove o contrário ou então a Receita Federal (o leão) diga que somos bons contribuintes. No meu modesto modo de ver, olhar curioso de um interessado pelas coisas do Direito Público, considero que se está diante daquelas ideias que a doutrina designa de conceito jurídico indeterminado.

Nessa perspectiva, para podermos falar sobre improbidade administrativa a partir do campo jurídico, com honestidade científica, julgo legítimo sustentarmos pelo menos três premissas básicas: i) O ponto de partida e de chegada deve ser sempre as normas constitucionais que delineiam a temática; ii) A principiologia constitucional de proteção aos acusados em processos judiciais e administrativos possuem prevalência e superioridade hierárquica sobre a legislação ordinária infraconstitucional regente da matéria; iii) O cidadão possui o direito fundamental à probidade administrativa; e iv) somente no caso concreto é possível reunir a riqueza da realidade circunjacente que abalize um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um ato de improbidade administrativa.

Vamos, pois, à lei fundamental alicerce e cumeeira de todo o ordenamento jurídico.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, a forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na maioria das vezes, em um breve lançar de olhos sobre alguns processos rumorosos, nada há que possa configurar ato de improbidade administrativa, a não ser malabarismos e pressa dos órgãos de acusação e uma frenética ânsia da mídia de vigiar, julgar e punir sem processo, se não vejamos o que diz, à luz da Constituição da República, um dos nossos mais respeitados constitucionalistas:

“O texto constitucional vincula, notoriamente, os atos de improbidade administrativa ao dano ao Erário Público, tanto que uma das sanções impostas consiste no ressarcimento ao Erário, porque é essa sanção que reprime o desrespeito ao dever de honestidade que é da essência do conceito da probidade administrativa. O grave desvio de conduta do agente público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade.

O que se extrai do texto constitucional e dessa doutrina é que a improbidade administrativa constitui um desvio de conduta qualificado pelo dano ao tesouro, aos dinheiros públicos, não sendo assim caracterizado o simples desvio de finalidade, ainda que em proveito do agente. Neste último caso o ato é inválido, porque a finalidade de interesse público do ato é requisito de sua validade, e pode gerar sanções ao agente, mas não as graves sanções que se cominam a uma conduta ímproba. A mera ilegalidade do ato não pode caracterizar ato de improbidade.” (Cf. in: José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 348)

Nessa linha de raciocínio, já de algum tempo a jurisprudência vem pendendo para teses mais razoáveis, de sorte que cabe trazer à baila, Acórdão do STJ (REsp. 213.994, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 27.09.1999):

“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei 8.429 de 1992. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido.”

É possível perceber que estamos diante de uma questão séria que não pode sucumbir à lógica dos bem intencionados defensores da moral e dos bons costumes. Caso a interpretação das normas jurídicas estivesse adstrita somente ao texto da lei, os melhores exegetas do Direito seriam filólogos ou professores de português, e não os juristas, operadores cotidianos do Direito.

Dimas Salustiano: Advogado (OAB-MA 3.830). Professor de Direito Constitucional da UFMA.

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