Justiça,  OAB

Vitória da OAB

Além de derrubar o veto, do presidente Jair Bolsonaro, no dispositivo geral que criminaliza a violação das prerrogativas dos advogados, o Congresso Nacional rejeitou mais dois vetos, tornando crimes qualificados, com penas maiores, as violações às prerrogativas de conversar reservadamente com o preso e de ter acesso aos autos de processos ou investigações. Também será tornado lei, porque derrubado o veto, o dispositivo que prevê ação penal privada subsidiária, em caso de omissão do Ministério Público em propô-la.

Segue, abaixo, o Memorial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sobre a inconsistência do Veto, do presidente Jair Bolsonaro, ao Artigo 43 da nova Lei de Abuso de Autoridade:

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) PARLAMENTAR,
MEMORIAL DO CONSELHO FEDERAL DA OAB
Inconsistência do veto ao Art. 43 da Lei nº 13.869/2019 – Lei de Abuso de Autoridade

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, através de sua Diretoria, vem apresentar MEMORIAL de modo a demonstrar a inconsistência do veto promovido pelo Exmo. Sr. Presidente da República ao Art. 43 da Lei de Abuso de Autoridade, Lei nº 13.869/2019.
O Art. 43 da Lei de Abuso de Autoridade possui a seguinte redação:
Artigo 43 – A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B: Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.’
Sua Excelência o Senhor Presidente da República, acolhendo justificativa apresentada pelo Ministério da Justiça – MJ, vetou o dispositivo com base nas seguintes razões: A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois criminaliza condutas reputadas legítimas pelo ordenamento jurídico. Ressalta-se que as prerrogativas de advogados não geram imunidade absoluta, a exemplo do direito à inviolabilidade do escritório de advocacia e a própria Lei nº 8.906, de 1996, com redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008, que permite a limitação desse direito quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, notadamente concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. INQ. 2424, Rel. Min. Cezar Peluso, p., j. 26/11/2008.
Com o devido respeito, as justificativas apresentadas não se sustentam, tanto do ponto de vista fático como em relação ao aspecto jurídico-constitucional.
O dispositivo vetado limitou à configuração de crime apenas a violação das prerrogativas previstas nos incisos II, III, IV e V da Lei Federal nº 8.906/94 – EAOAB, abaixo transcritos:
Art. 7º São direitos do advogado:
(…)
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;
V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB14, e, na sua falta, em prisão domiciliar; (ver ADI 1127)

Como se vê, o art. 43 — na redação aprovada — elege 4 (quatro) incisos do art. 7º do EAOAB que possuem relevância penal e que, por isso, são imprescindíveis para o exercício da advocacia, merecedores da tutela penal da norma incriminadora.
O Senado Federal já aprovou o PLS 141/2015, que altera o EAOAB para tipificar as hipóteses de violação de prerrogativas profissionais, sendo esta proposta mais abrangente que o dispositivo vetado. Referido PLS foi encaminhado à Câmara dos Deputados e, também aprovado, aguarda apreciação no Plenário, conforme PL 8347/2017.
Dos 21 (vinte e um) incisos contemplando prerrogativas do advogado no exercício da profissão, a Lei em análise elegeu apenas 4 (quatro) hipóteses que, se violadas, poderão constituir crime, punível com detenção de 1 a 3 anos.
Por isso que, com a devida vênia, é infundada a justificativa de que o dispositivo ‘… criminaliza condutas reputadas legítimas pelo ordenamento jurídico,…’, porquanto não se pode entender como regular e legítima a ofensa a direito legalmente instituído e que configura, na prática, efetiva garantia ao exercício do direito fundamental à ampla defesa.
Não há criminalização genérica e norma penal em branco. O preceito identifica 4 (quatro) hipóteses claras, objetivas e individualizadas de prerrogativas profissionais que estão contempladas, cujas disposições protegem a atuação do advogado ou advogada no estrito exercício do direito de defesa, constitucionalmente assegurado.
Ora, quando se quebra inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, seus instrumentos, sua correspondência (escrita, eletrônica, telefônica e telemática), por exemplo, não se atinge apenas o profissional, mas ofende-se o próprio direito de defesa. A investigação de ilícitos não se faz com atropelo de garantias legais e constitucionais.
Não se combate o crime organizado desrespeitando a ordem jurídica e a Constituição Federal, tampouco a investigação deve ter em mira a atuação do profissional da defesa para elucidar o crime imputado a seu cliente, sobretudo quando ausentes indícios de autoria e materialidade da participação do advogado ou advogada.
Prerrogativas profissionais não são privilégios, servem para defender os cidadãos. Não foram instituídas como forma de exaltar a dignidade da profissão, mas principalmente para a defesa do Estado Democrático de Direito. São instrumentos necessários à sua efetividade, isto é, constituem emanação do exercício da cidadania.
Quem as viola obstrui e amesquinha o exercício efetivo da cidadania e, por isso, justifica a criminalização de violação desses direitos, por ato de autoridade(s). É a própria sociedade quem se beneficia da atuação livre, independente e forte dos advogados. Somente munido de tais garantias terá força suficiente para fazer valer os direitos do seu constituinte.
Não são raros os casos em que advogados, no exercício profissional, se veem impedidos por autoridades de comunicar-se com seus clientes — pessoal e reservadamente — durante a apuração de infrações, em total prejuízo à defesa (inciso III, art. 7º, EOAB).
O exercício do direito fundamental à ampla defesa não se faz presente quando desrespeitada a inviolabilidade das conversas entre advogados e presos, sendo inadmissível num Estado Democrático de Direito que se desrespeitem direitos em nome de uma maior eficácia da repressão e do Estado ‘Policial’.
A liberdade da advocacia e o segredo profissional são neutralizadas, amesquinhadas e pisoteadas quando não assegurada a conversa pessoal e reservada entre advogado e cliente. Reservadamente não quer dizer outra coisa senão privadamente, isoladamente, sem ninguém ouvindo e captando imagens que podem ser objeto de reprodução gráfica com a técnica da leitura labial, dentre outras.
O bem jurídico tutelado pelo art. 43 da Lei em tela está intimamente ligado ao direito de ampla defesa, afinal o art. 133 da Carta Política de 1998 atribuiu à advocacia um status constitucional e enfatiza, sobretudo, a liberdade de atuação desse profissional para a concretização do Estado Democrático de Direito.
Quando a autoridade pública tolhe uma prerrogativa inerente à classe da advocacia ela não penaliza o advogado em si, mas toda a comunidade que se faz representada por aquele determinado profissional.
Sem possibilidade de poder atuar com efetiva liberdade o advogado é diminuído frente o Estado e, inevitavelmente, seu representado não terá a respectiva postulação defendida de maneira condigna e fiel aos seus interesses.
Não raro, o advogado é a única voz a defender um cidadão contra toda a sociedade e o aparelho de Estado, daí a Constituição Federal revelar o sentimento democrático do advogado como profissional “indispensável à administração da justiça”, extraindo-se dessa mesma Carta princípios e valores de obrigatória observância pela Administração Pública.
É dizer, a Constituição é pródiga em determinar a facilitação dos meios de acesso do cidadão aos Poderes Públicos (art. 5º, XIV, XXXIII, XXXIV, ‘a’ e ‘b’) e, por isso, eliminar barreiras à defesa perante o Poder Público significa fomentar direitos da cidadania.
O Supremo Tribunal Federal – STF ratificou a essencialidade do advogado ao Estado Democrático de Direito e a importância do respeito às suas prerrogativas no RE 277.065/RS, julgado em 08.04.20141.
Desse brilhante julgado pode-se extrair duas conclusões: (i) que o advogado não é figura estranha à Justiça, ao contrário é um de seus autores; e (ii) que todos os integrantes do Sistema de Justiça devem entender e respeitar tais prerrogativas, oferecendo condições adequadas para que o advogado desempenhe plenamente seu munus público, sob pena de afronta aos direitos fundamentais do cidadão.
Em outras palavras, respeitar prerrogativas dos advogados revela dar concretude ao preceito constitucional que garante a indispensabilidade do profissional da advocacia, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça – STJ e o Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Ademais, não há falar em ‘… insegurança jurídica…’ e que ‘… prerrogativas de advogados não geram imunidade absoluta …’.
A OAB não compactua com desvio de conduta de seus inscritos, e não admite flexibilização de prerrogativas em detrimento de iniciativas do Estado ‘Policial’ que muitas vezes investe contra os advogados para desvendar os delitos de seus clientes. A Entidade tem o dever-poder de defender as prerrogativas e somente admite a quebra da inviolabilidade se existir investigação em andamento contra o profissional, com elementos objetivos demonstrando autoria e materialidade de sua participação nos ilícitos sob apuração.
Nesses casos, data vênia, cabe à autoridade pública individualizar e fundamentar essa intervenção em face do profissional. Sem tal fundamentação, com todo respeito, o escopo da medida se torna arbitrário, ilegal e inconstitucional.
Se é certo que não existe direito absoluto na ordem constitucional, o que, em algumas situações, permite relativizar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, assim como a intimidade e a inviolabilidade do sigilo profissional, é indispensável, por outro lado, que o Poder Público o faça mediante fundamentação inequívoca e calcada em elementos objetivos que permitam concluir a ligação do advogado com a organização criminosa.
Sendo assim, as razões do veto do Exmo. Sr. Presidente da República, com o devido respeito, estão equivocadas, pelo que a Diretoria do Conselho Federal da OAB apresenta MEMORIAL contrário à manutenção das razões formuladas.
Felipe Santa Cruz
Presidente
Luiz Viana Queiroz José Alberto Simonetti
Vice-Presidente Secretário-Geral
Ary Raghiant Neto José Augusto Araújo de Noronha
Secretário-Geral Adjunto Diretor-Tesoureiro

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